Quem disse que PORQUE SIM não é resposta? Uma análise multimodal do comercial da cerveja Schin.

 



Quem disse que PORQUE SIM não é resposta? Uma análise multimodal do comercial da cerveja Schin com base em Lim-Fei & Tan

 

INTRODUÇÃO


As propagandas de cerveja estão cada vez mais explorando os recursos audiovisuais e se reinventando nas suas propagandas para manter a clientela, mas também atrair novos consumidores. As mensagens que buscam adquirir aumento econômico apelam mais e mais para o entretenimento a fim de persuadir seu público.

Novos gêneros textuais têm surgido e outros já existentes têm se modificado por conta da tecnologia e dos meios midiáticos, dessa forma novas habilidades de leitura são necessárias para a compreensão do sentido nesses textos multimodais. 

Neste contexto, as propagandas se tornam um recurso ideal de serem trabalhadas em sala de aula, visto que explora diversos meios semióticos e os professores ensinarão os alunos a fazer uma análise multimodal desses textos visuais, reconhecendo seus gêneros e estratégias e dessa forma os alunos desenvolverão suas habilidades de análise do discurso e seu letramento crítico. Lim-Fei & Tan (2017).

Com as mídias digitais se popularizando há um aumento da reflexão sobre construção de sentido nos textos multimodais. Assim, neste trabalho, busca-se fazer uma análise multimodal em uma propaganda da cerveja Schin intitulado Porque sim! Para tanto, usaremos os estudos sobre a estrutura de análise do discurso multimodal de Lim-Fei & Tan (2017).

 

A Análise do Discurso Multimodal – A Abordagem Sistêmico Funcional


            A abordagem sistêmica apresenta estudos da linguagem e de outros recursos não verbais para criar significado. E oferece “um conjunto de andaimes pedagógicos, informados pela Teoria Sistêmico-Funcional (TSF) e insights da pesquisa multimodal, para fornecer aos alunos uma estrutura e meta-linguagem adequada para interpretar textos visuais.” (Lim-Fei, 2017, p. 8). Dessa forma, os alunos terão uma consciência e sensibilidade para reconhecimento dos gêneros textuais, suas funções, bem como as características dessas funções e seus efeitos.

Halliday (1994) postulou uma abordagem com base na funcionalidade da língua, que ele chamou de Gramática Sistêmico-Funcional, que foca nas unidades globais da língua considerando o contexto de produção e a realização de seus autores para a construção de sentido. Essa teoria apresenta três “metafunções” da linguagem. Onde este autor defende que não classificou apena como função, pois elas têm um significado maior que é a análise propriamente da língua.

Em Halliday (1994) a metafunção ideacional está relacionada às experiências de mundo vivenciada pelo indivíduo. A metafunção interpessoal expressa a relação do indivíduo com sua audiência no processo de comunicação, e a metafunção textual organiza as informações dentro de suas interações.

Por outro lado, Lim-Fei & Tan (2017) se ocuparam em analisar os textos visuais, pois eles acreditavam que “A informação, especialmente na era digital, não é representada apenas com a linguagem sozinha. Em vez disso, a linguagem é muitas vezes aninhada entre outros recursos semióticos em um texto multimodal.” Assim, as metafunções Ideacional, Interpersoal e Textual em Halliday (1994) passaram a ser chamadas de Mensagem, Audiência e Forma, respectivamente, por Lim-Fei e Tan (2017).

  

Letramento crítico e Análise multimodal

 

O letramento multimodal se concentra no reconhecimento de diferentes gêneros textuais, da sua inter-relação e construção de significado. O'Halloran & Lim-Fei (2011, 14) afirmam que "um aluno com letramento multimodal deve ser sensibilizado para o potencial de significado e as escolhas proporcionadas na produção do texto, tornando-se uma capacidade aprimorada de fazer escolhas  deliberadas e eficazes no construção e apresentação do conhecimento ”.

Nos últimos anos muitos estudos têm analisado a compreensão teórica da multimodalidade e a verificação do significado dentro de textos multimodais.  O modelo estrutural de Lim-Fei & Tan (2017) para analisar um texto visual foi desenvolvido com base na estrutura da Análise do discurso multimodal Sistêmico Funcional (SFMDA) com o objetivo de propor uma compreensão mais fácil para alunos e professores. Onde esses autores afirmam que trata-se de um sistema eclético por abordar estudos da mídia e os estudos da retórica de Aristóteles, por exemplo.

Esta nova estrutura que foi chamada de FAMILY FRAMEWORK, onde cada letra da palavra FAMILY representa uma área a ser observada para análise do texto visual e cada área está relacionada a uma subárea. F é a forma, é sobre saber reconhecer o gênero e suas características e funções. A está para audiência, onde se desenvolve sensibilidade para as estratégias multimodais, M é a mensagem e é sobre como, porquê e qual informação será passada, I para integração dos modos semióticos, L de link para outras áreas do conhecimento e Y são os questionamentos sobre a interpretação evidenciada.      

 

Metafunção Ideacional como Mensagem

 

Na parte que compete à mensagem para um bom entendimento é necessário levar em consideração o contexto geral. No letramento crítico é possível refletir sobre os estágios que se seguem para compreender uma mensagem e qual forma de persuasão está sendo usada para atingir o objetivo pretendido.

Lim-Fei & Tan (2017) dividem a parte do “M” em Apelo, como será passada a informação afim de persuadir, o propósito, para que está se construindo aquele texto e sua Representação, será literal ou inferencial. Estes autores ainda afirmam que primeiramente é necessário ensinar os conceitos da persuasão de Artistóteles, que são, Ethos que apela para a autoridade do sujeito, Pathos, que apela para a emoção do público e Logos, que usa argumentos lógicos para persuadir seu público. Resumidamente no quadro abaixo, temos onde cada uma age, um exemplo de como é usada em uma frase e como faz para atingir seu propósito.

 

ETHOS

PATHOS

LOGOS

Autoridade

Emocional

Razão

COMO MÉDICO, eu acredito que...

Muitos animais estão em extinção por conta do desmatamento...

Todos as pessoas comem maçãs. Ana é uma pessoa. Então Ana come maçã.

Muitas marcas usam famosos para convencer pessoas

Provocar emoções contrárias – indignação/piedade...

Propor argumentos que podem ser provados

 

Acompanhando esses três modos da retórica de Aristóteles temos o Kairos, que é o momento oportuno para se dizer alguma coisa. Pois, o momento certo é tão importante quanto a mensagem a ser passada. Afinal, ninguém vai à um churrasco para convencer pessoas a serem vegetarianas. Se assim o fizessem é bem provável que a mensagem seria desperdiçada. Então é necessário considerar o contexto para que a persuasão de fato se efetive.

De acordo com Lim-Fei & Tan (2017) primeiro a se entender em uma propaganda é o seu Propósito, que pode ser educacional, entretenimento ou econômico. Mas antes de tudo é saber que o propósito atende os interesses de quem produz a propaganda e que, às vezes, um mesmo comercial pode ter mais que um propósito. 

Para construção da mensagem em uma propaganda se faz necessário analisar se sua Representação será passada de forma literal ou inferencial. Neste primeiro sentido não é necessária uma interpretação adicional, pois a mensagem já é clara. No segundo tipo é necessário que a compreensão aconteça por observação mais aprofundada ou por uma dedução. 

              Na análise é necessário avaliar o Contexto – Recepção e Produção. Esse que mostra como o público recebeu certa propaganda e este último está relacionado com a intenção do produtor.

            Questionar o texto multimodal é o primeiro passo para promover um pensamento crítico que será capaz de compreender as camadas que estão formando o significado dentro do texto.   


Metafunção Interpessoal como Audiência

           

Esse passo estratégico para análise do texto visual representa o envolvimento do espectador para com o texto. Os alunos aprendem a importância de se entender essa relação para o desenvolvimento da compreensão de todas as camadas do texto.

Esta etapa é dividida em Proeminência, quanto ao elemento em destaque no texto, onde será observando seu tamanho, cor, contraste, nitidez e iluminação. Direção, onde se observa para onde está direcionado o olhar dos sujeitos, que podem ser direto, indireto ou sem olhar. O Poder, pois os ângulos determinam relações de poder. Estes que podem ser ângulo baixo, ângulo alto ou sem ângulo.  A Distância está relacionada com o espaço entre a câmera e os seus sujeitos, que é a tomada baixa, tomada média e tomada longa, pois essa distância altera o grau de envolvimento do espectador.

           

Análise da propaganda da cerveja Schin – Porque Sim!

 

            A análise será feita com base na estrutura de Lim-Fei & Tan (2017) para o letramento crítico do texto multimodal. A propaganda da cervejaria Schin com duração de 30s disponibilizada no Youtube intitulada Porque sim! foi divulgada em 2014.  

 

Mensagem

 

A marca de cerveja Schin lançou em 2014 a campanha do seu produto com o Movimento “Porque sim”, à primeira vista, a propaganda parece ser bem simplista, mas ela vai muito além da combinação da rima “Schin e sim”. Ela é  destinada àqueles que não desejam se explicar tanto ou de forma alguma sobre muitas questões e acreditam que um “porque sim” é uma resposta completa!

Ao mesmo tempo que parece ser uma resposta considerada superficial, mas também se trata de algo cultural e que se usa cotidianamente esta resposta com a intenção de se encerrar um debate. Também remete às respostas de crianças, quando se pergunta o porquê de terem feito alguma travessura e elas respondem apenas o “porque sim”, ou ainda ao quadro do programa televisivo Castelo RÁ-TIM-BUM de título “Porque sim não é reposta”, onde o personagem Zequinha faz muitos porquês e os outros personagens oferecem o “porque sim” como resposta, mas aparece outro personagem que representaria o professor que vai explicando as dúvidas.

 

           

 O comercial inicia com o ator Selton Melo chamando as pessoas a participarem do movimento “porque sim”, aqui podemos ver já de início o apelo ethos, pois uma característica deste é usar celebridades, pois por terem uma grande quantidade de fãs é uma probabilidade da marca também alcançar um número maior de pessoas/consumidores e esses exercerem influência sobre as escolhas também de seus seguidores.


  

Para atender ao movimento do “porque sim”, podemos ver que apenas são felizes por responderem apenas dessa forma considera “superficial”. Podemos dizer que há uma ideia do Pathos também, pois de início pode-se desejar uma explicação, mas se pararmos para pensar mais à fundo, veremos que não há necessidade para muitas questões. Como as perguntas que feitas no comercial “por que a contagem regressiva começa sempre no 10?” ou “por que todo réveillon você come lentilha”, veremos que apesar da resposta ser considerada “vaga”, mas também são perguntas superficiais, que não exigem um aprofundamento. Assim, podemos dizer que há o oposto do Logos, que sempre busca a lógica de algo, mas aqui na propaganda o “porque sim” é o que traz a felicidade.

 

O propósito além de ser econômico, mas não é unicamente este, pois não se vende cerveja dizendo para as pessoas comprarem cerveja, então é necessário além do jogo de palavras, mas também trazer o entretenimento que convença as pessoas a continuarem a tomar essa marca ou se tonar um adepto desta. 

O representacional ficará por conta da inferência, pois o objetivo maior é a venda e divulgação da cerveja, mas em momento algum essa mensagem é dita de forma direto, para alcançar esse objetivo e propaganda usa de outros elementos que já foram citados acima e buscam convencer e induzir o público a beber a cerveja.

Na imagem também podemos identificar Kairos, pois quem planejou a campanha aproveitou o momento do réveillon, onde as pessoas estão todas vestidas de branco, brindando e comemorando essa nova passagem de ano, felizes e bem provável que cheia de novos planos para o ano que se inicia, principalmente por estarem participando de um movimento que não exige tantas explicações e não quererem ser contestados quanto às suas escolhas e a principal é “Por que escolheu Schin?” “Apenas porque sim!”, e o brinde que seria com champanhe fica por conta da cerveja.

 


 

Ao final tem uma mensagem que há uma modificação do texto, antes o que seria apenas “Beba com moderação” passa a ser “Beba com respeito e moderação”, levando as pessoas novamente a mensagem que todos devemos respeitar a opinião do outro sem ficar exigindo maiores explicações sobre suas escolhas, então podemos dizer que também há o propósito educacional. Analisando o contexto - Produção pode-se dizer que a marca além da intenção de vender sua bebida também mostrou-se preocupada em divulgar uma mensagem de prezar pela ideia do outro. 

 

Reações à propaganda da cerveja

 


Aqui veremos a recepção da propaganda. O vídeo consta apenas dois comentários. Para a sorte desta análise são de lados opostos. O primeiro lamenta e acusa que o jogo “crash bandicoot” apoia o alcoolismo, como ele chegou nessa conclusão não se sabe, provável por essa propaganda ter chegado até ele através desse jogo. Por sua mensagem é possível observar que ela acredita que uma propaganda de cerveja não tem nenhuma outra mensagem a passar a não ser de divulgar a bebida alcóolica.

 Mas por outro lado, temos alguém que ficou bem animado com o comercial, pois na sua resposta o “SIM” está em caixa alta, assim podemos afirmar que ele deseja aderir ao movimento, mas acreditamos que o “SIM” seja para a cerveja não por querer deixar de dar explicações a questões.

                           

AUDIÊNCIA

                  

                   Agora partiremos para análise do comercial a fim de investigar o envolvimento desta como público. O tamanho, a cor, o foco e a nitidez são elementos que devem ser observadas quanto à sua proeminência, pois o elemento que estiver em maior destaque será aquele que se deseja focar.

             


    

  

                   Já no início da campanha a fotografia destaca a marca do produto, o que gera uma confiança em mostrar sua marca e quer deixar marcado desde o início para o espectador saber de qual empresa se trata. E os outros elementos que estão na imagem não ofuscam o principal, que seria o layout da cervejaria.

                    

                

 


               

                   O olhar do sujeito é fator essencial para envolver o espectador. Aqui podemos ver claramente a direção do olhar do personagem central da propagando bem como de todos os outros participantes, ambos estão direcionando seus olhares para o espectador. O sujeito principal está fazendo o convite para participar do movimento e os outros ao fundo também compõem uma parte importante, pois passa a ideia de que eles já aceitaram o movimento e estão satisfeitos com ele e agora estão esperando que o espectador também o aceite.


                  

                   Quanto ao Poder expressado pela fotografia temos os ângulos baixo, médio e alto. Apesar de Kress and Van Leeuwen (2006) estabelecerem que fotos de ângulo alto diminuem o produto podemos fazer uma interpretação que o contexto influi muito para tais escolhas. Pois neste caso pode se inferir que a fotografia em ângulo alto não está relacionada com as questões de enfraquecimento, mas justamente seu oposto, visto que a foto nesta posição mostra a grande quantidade de pessoas que aderiram ao movimento.

 

 


 

 


 








 


                   A Distância está relacionada com o espaço entre a câmera e espectador, que podem ser tomadas curtas, médias ou longas. E isto gera um grau maior ou menor de envolvimento com o público. Na primeira imagem que mostra o slogan da cervejaria a fotografia começa com uma tomada mais distante até que chega bem próxima, o que estava desfocada passa as ser bem nítido. Na segunda imagem onde estão os copos de cerveja na bandeja a fotografia está bem próxima e focando apenas no que se interessa em propagar, e dessa forma com tomadas tão curtas é possível gerar no espectador maiores emoções, no caso, o desejo de tomar uma cerveja bem gelada. E na última imagem a composição da cena é totalmente sugestiva para que o espectador venha tomar cerveja. 

 

 

FORMA

                  

A construção de sentido de um texto semiótico é feita através da interação entre palavra e imagem, que é a Forma. Esta metafunção se divide em uma abordagem da língua e na abordagem visual. Informações como título, slogan, ícone, logotipos, nome do produto entre outros compõem os recursos de língua e visuais típicos de um texto propaganda.

 

 


 

                   Logo de início já observamos que o comercial traz o logotipo da cerveja e assim já deixa o espectador consciente de qual empresa é a propaganda e assim chamará logo a atenção para sua marca. 


                    

                    E ao final, temos uma frase que faz um apelo ao consumo consciente da bebida ao mesmo tempo que se intenciona a venda do produto trazendo uma mensagem educativa. Assim ainda que se exija a execução de uma ação com o verbo no imperativo “beba”, mas que isso ocorra de forma moderada.   


Conclusão

 

            Os textos que envolvem diversos meios semióticos, como língua, imagem e áudio tem sido amplamente produzidos e com o advento da tecnologia sua divulgação tem acontecido de forma rápida, formando esse novo mundo digital. O professor ao levar esses textos para a sala de aula oferece ao aluno uma forma de enxergar o mundo de uma maneira mais ampla também, pois a multiplicidade desses textos tem permitido o desenvolvimento do pensamento crítico através de suas análises.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

Kress, G. and T. van Leeuwen (2006), Reading Images: The Grammar of Visual Design (Second Edition), London, UK: Routledge.

Lim, F.V., & Tan, K.Y.S. (2017). Multimodal Translational Research: Teaching Visual Texts. IN Seizov, O. & Wildfeuer, J. (EDS.),New Studies in Multimodality: Conceptual and Methodological Elaborations(PP.175-200). London/New York: Bloomsbury.

BRINKS, Melissa. Ethos, Pathos, Logos, Kairos: The Modes of Persuasion and How to Use Them. PrepScholar, 20 de Junho de 2021. Disponível em: <https://blog.prepscholar.com/ethos-pathos-logos-kairos-modes-of-persuasion>  Acesso em: 20 de jun. de 2021.

HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. An Introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014.

Youtube: Comercial Cerveja Schin – Porque Sim! [Brasil: s.n], 2014. 1 vídeo (ca. 30s) Publicado pelo canal Blog da Propaganda. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=SbDDrQqom88>. Acesso em: 19 de jun. 2021.

 


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